Por: Leandro Nunes em 09/2014 - Visitas: 2935
Vivemos em um circuito, todos os nossos passos são predeterminados pelo cotidiano, e por esta razão, todos seguem as mesmas regras, impostas pela sociedade, de forma indireta. Não há quem abra espaço para o novo, deixando que o acaso os guie. O cotidiano está tão arraigado no subconsciente das pessoas, que estas acostumaram-se a ir e vir pelo mesmo caminho, já sabem o que encontrarão no percurso, ou quem encontrarão. Talvez uma mudança de percurso poderia dar novo sentido a uma vida enfadonha, em que tudo é previsível.
Sou um, entre muitos, que vivo nesse circuito e sou produto dele. Desde o momento em que acordo, sigo todos os rituais do dia, como: banhar, vestir, tomar café, escovar os dentes e ir para o trabalho, sou professor de língua portuguesa, assim como muitos que há no mercado. O que mais me impressiona, nesses rituais diários, é a quantidade de pessoas que passam por nossas vidas. As vemos diariamente, compartilhamos alegrias e lamentações, porém em um piscar de olhos todos somem, parecem até personagens de algum livro, na qual todos nós participamos. Porque quando o tempo passa, e essas pessoas se vão, as nossas imagens são apagadas de suas memórias, pois quando as encontramos em outras situações ocasionais, fora do cotidiano, elas não olham em nossos rostos, não nos cumprimentam. Parecemos estranhos aos seus olhos.
Saio bem cedo para o trabalho, coloco o pé na calçada e começo a escutar o que se repete todos os dias. Chego à esquina, após três quarteirões, e ouço:
-Bom dia, caro rapaz! Já está indo para a lida?
Essa pergunta escuto todos os dias, apenas respondo com um sorriso. Nunca soube o nome desse senhor e nem ele o meu. Continuo andando até o ponto de ônibus, este é o local em que vemos a vida seguir seu curso diário, pois lá sempre há um grande contingente de passageiros. Entro e sento sempre na ultima poltrona. Alguém se senta ao meu lado:
-Posso me sentar aqui? Ele pergunta
-É claro que pode! Respondo com grande cordialidade.
Então introduzimos um dialogo, porque é impossível sentar-se ao lado de alguém e permanecer calado, agindo dessa forma é querer negar a condição humana, todos temos o direito de nos comunicar, não somos ilhas isoladas e nem barcos à deriva.
-Está quente hoje, - ele fala a fim de estabelecer a comunicação - você não acha?
-É verdade, - respondi - está muito quente.
Sempre fui pouco amistoso, mas quando alguém me dirige a palavra eu converso sobre todos os assuntos, até mesmo futilidades. É sempre bom conversar, às vezes estamos precisando de uma palavra que soa bem aos nossos ouvidos, seja quem for esta pessoa, para isso tem que haver a interação, mesmo que para chegar a esse fim tenhamos que falar algo banal. Este é o caso do cara que sentou-se ao meu lado.
-Você sempre pega este ônibus? Ele pergunta.
-Sempre! Respondi.
-pois nunca o vi por aqui!
-pois eu sempre o vejo! Falei.
-Que coisa estranha, não acha?
-É verdade!
A maioria das pessoas nunca repara no que esta à sua volta, são todas fechadas numa redoma de vidro. Esse é um grande problema que afeta a raça humana.
-Você faz o quê da vida?
- Sou professor, e você o que faz?
-Trabalho com publicidade. Cara! hoje estou tão triste. Ele fala com um olhar baixo.
Talvez fosse isso que ele queria comentar desde o primeiro momento, e não sabia como, por isso ficou fazendo rodeios.
-O que aconteceu? Por que você está tão triste?
-Morreu uma grande amiga na noite passada.
-Oh! Eu sinto muito, essa é uma dor terrível, mas que devemos superá-la com o tempo, porque isso é algo que foge ao nosso controle, todos nós passaremos por isso, o que é cruel é que não podemos fazer nada quando chega este momento, é só aceitar, por isso devemos aproveitar cada momento.
-Você tem toda razão!
Ele responde e vai logo levantando e correndo, pois havia chegado ao seu destino, pediu que o ônibus parasse, desceu com muita pressa e seguiu seu curso. Um pouco depois eu cheguei em meu destino, fui para a escola, dei todas as aulas previstas e voltei. Ao voltar passei no banco para efetuar alguns pagamentos, a fila estava enorme, eu era o último, porém chegou uma mulher e ficou atrás. Começamos a conversar:
-Nossa como esta fila está enorme! Ela fala.
-É verdade, e para piorar, a fila não anda. Respondi.
-Logo hoje que estou tão atarefada, o carro do meu marido virou.
-Foi muito grave?
-Não! Ele quebrou as duas pernas e o meu filho teve um leve traumatismo craniano. Mas estão vivos é o que importa.
-Que bom! Espero que se recuperem logo.
Saio do banco e não mais a vejo, talvez ela estivesse conversando com o gerente do banco sobre algum dinheiro que deveria receber do seguro do carro. Gostaria de vê-la novamente para desejar-lhe sorte, talvez ela nem lembrasse mais de mim. E assim resolvi voltar para casa. Fui para o ponto de ônibus, conversei com quem estava próximo. Mas o que me intriga é o fato de nunca haver pessoas conhecidas, parecia que a cada dia era uma nova remessa de pessoas que eram mandadas para esta história. O ônibus para e novamente fui sentar na ultima poltrona, fiquei olhando os carros passando, até que uma voz interrompe-me:
-Posso sentar aqui?
Perguntou um rapaz que estava com um jornal na mão. Com um grande sorriso respondi que sim. Ele começa a folhear o jornal, até então não havia falado nada. De repente ele começa a gritar:
-Passei, passei, passei...
Ele gritava, sorria, chorava, eu fiquei curioso queria saber o porquê daquela alegria tão espontânea. Não resisti e perguntei:
-Você passou em quê?
-Passei no vestibular! Estou muito alegre. A minha mãe ficará muito feliz e vou pedir, hoje mesmo, a mão da minha namorada em casamento. Essa alegria deve ser compartilhada.
-Parabéns! Que você seja muito feliz nessa nova etapa de sua vida.
Sem nem ao menos conhecer o cara, eu já estava desejando felicidades a ele. Mas quem disse que precisamos conhecer alguém para cumprimentá-lo?
-Obrigado! Ele responde.
O ônibus parou e o rapaz saiu correndo, sorrindo para tudo. Certamente foi ao encontro da mãe, dar a boa noticia, e depois foi pedir a mão da namorada em casamento. Todos devem estar falando as mesmas palavras que já viraram clichês, todos que já passaram em um vestibular escutam-nas:
-Parabéns! Eu sempre soube que você iria passar.
-Você está colhendo o que plantou!
-Eu sempre acreditei no seu potencial, você merece!
-Vai ter festa?...
Finda o dia, já estou chegando em casa, passo pelos mesmos lugares, tudo torna-se rotineiro. Chego à esquina, perto da minha casa, e aquele senhor fala:
-Está chegando do trabalho, né caro rapaz?
E novamente dou um sorriso...
No dia seguinte acordo intediado, então resolvi mudar minha rotina. Neste dia fiz tudo diferente, queria ver a cidade de outro anglo, ter uma nova visão, pois o mundo acontece em outras partes também. E assim resolvi transpor as barreiras da mesmice. Sai de casa, peguei outra rua, para não ter que passar na esquina do terceiro quarteirão, Decidi ir para a escola a pé, para conhecer novos lugares naquela cidade. Passo nas ruas e observo tudo. Encontro com as pessoas que já sentaram-se ao meu lado no ônibus. Encontro com o cara que estava triste no dia anterior, encontro com a mulher do banco e com o rapaz do vestibular. Quando vi o primeiro acenei, mas este fingiu que não me via; aproximei da mulher do banco, para perguntar se sua família havia se recuperado, mas ela sai quase correndo, deve ter pensado que eu fosse um ladrão; vi o terceiro e resolvi cumprimentá-lo, mas este vira-se e começa a abraçar uma senhora que acreditei ser sua mãe.
Será que eu não existo? Será que sou invisível? Será que essas pessoas esqueceram-se de mim ou não querem falar comigo? Não posso entender. E quem pode? Não sei, só sei que a vida é esta, é um carma sacro. O que pude perceber é que somos guiados por algum fator automático, mesmo não querendo, sempre executamos as mesmas tarefas. Parece ser algo exterior ao nosso controle circundante. Deve ser o autor da nossa história que manipula nossos passos, por que caminhamos sem nos dar conta para onde vamos.
Conclui que não existimos em situações ocasionais, ou seja, fora do circuito diário, pois não há quem nos cumprimente, as pessoas são muito individualistas e não acreditam no valor de um sorriso, de um aperto de mão. Mas isso é em conseqüência do capitalismo selvagem que nos foram imposto, e por esta razão todos se fecham em seu próprio mundo, vendo o outro como concorrente e não como ser dotado de sentimentos. Em suma, não há escapatória...
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