Por: Nonato Fontes em 09/2014 - Visitas: 3887
Quando saia de casa, todas as noites, Margarida ao cruzar o batente da porta virava-se para trás e dizia com um sorriso no rosto: Vou caçar um homem bom que goste de tomar café, pois já sei passar, que saiba fazer carinho e zele pela mulher, para depois que me casar ficar o dia inteiro a me fazer cafuné.
Margarida era assim, toda meiga e ingênua, sua mãe adorava esse seu jeito, não tinha nada em sua filha que a preocupasse. Ficava em casa com sua máquina de costura e com o sonho de um dia ver a sua Margarida casada com um homem bom, que talvez gostasse de café e também de fazer carinho, mas o mais importante, que deixasse sua filha feliz, pois a mesma, apesar da aparência, carregava uma tristeza consigo, jamais conhecera o pai, quando perguntava a sua mãe sobre ele essa lhe respondia que ele partira logo que soube que a filha ia nascer e nunca mais voltou. Isso lhe abatia e muitas vezes a fazia chorar.
No colégio onde estudava tinha várias amigas, mas a uma ela se apegou mais, era a Sílvia, menina levada, cheia de malícia, talvez por isso mesmo tenha chamado a atenção de Margarida. Costumavam sair todas as noites para a Vila onde funcionava um barzinho bastante visitado, por lá se encontravam estudantes, vendeiros, caixeiros, trabalhadores rurais, desempregados, enfim, todas as classes de pessoas, sem falar em algumas mulheres de vida fácil, como costumavam chamar a gente do local. Margarida não se sentia muito bem por lá, mas sempre que seu medo ficava mais aguçado, Sílvia lhe tranqüilizava. Por ali ficava todas as noites a se divertir, quase sempre, Sílvia a deixava voltar sozinha, a desculpa era que ia sair um pouquinho para conversar com um amigo, mas demorava muito e a Margarida resolvia voltar para casa.
Numa dessas noites, depois de uma roda de dança com um homem, amigo de um caixeiro viajante que sempre aparecia no povoado, Margarida resolve sair para conversar. Ricardo era desses que a natureza lhe dera a arte de enganar. Amigo do caixeiro, esse lhe trouxera à cidade para acompanhar em suas vendas, e, talvez para ensinar um pouco de seus dotes para o velho amigo, fazia tanta propaganda do companheiro na cidade que logo o Ricardo foi ganhando a confiança das pessoas, dentre elas, a pobre da Margarida. Ricardo a conhecera numa noite de diversão na vila, essa lhe chamou a atenção por parecer uma presa fácil. Sem nenhum escrúpulo na arte de enganar, viu na Margarida seu ponto de apoio nas diversões noturnas do lugar.
Pobre Margarida! Pobre mãe!
Margarida passou a chegar mais tarde na sua casa, também sua mãe não queria incomodar e nada de indagar por alguma coisa, e assim iam passando os dias. Mas como a sorte da sua filha não era companheira de todas as horas, ou mesmo de hora nenhuma, talvez nem mesmo existisse. Num dia em que sua filha entrara chorando ficou desesperada, não sabia o que teria sido e sua filha nem uma palavra a respeito deixava escapulir, passou direto para sua redinha e ficou de bruços a soluçar.
Pobre Margarida! Pobre mãe!
Aflita, logo que amanheceu partiu para o povoado onde residia a amiga da sua filha, lá chegando encontrou a menina sentada no batente de cabeça baixa. Foi logo perguntando se ela sabia o que tinha acontecido com Margarida, qual o motivo do choro dela, Sílvia respondera que nada sabia, pois não teria visto a amiga depois da noite anterior e, acrescentou que depois da festa saíra com o caixeiro para sua casa. A mãe procurou arrancar mais alguma coisa, mas foi tudo em vão, cheia de manhas, Sílvia sempre se desviava das perguntas.
Voltando para casa encontra a Margarida do lado de fora sentada numa cadeira de couro com a cabeça entre as pernas, segue até ela e pega-a pelas mãos e caminha para o interior da casa, depois de alguns carinhos, escuta de sua filha a razão para o choro, Ricardo havia prometido casar com ela e fazê-la feliz para o resto da vida, porém tinha sumido, depois descobriu que Ricardo já tinha família.
Pobre Margarida! Pobre mãe!
A sina da mãe se desenhava na filha, a dor se multiplicava, as lágrimas eram companheiras e se abraçavam e escorriam nos corpos cansados e roídos pela dureza dos dias, manhãs tristes iam passando, Margarida não queria mais o colégio, não queria mais o barzinho, não queria mais a vida, sua mãe sempre ali perto, tentando como podia aliviar as dores da filha e as suas próprias.
Passaram-se os dias e numa manhã encontra o quarto de Margarida vazio, como louca sai para o povoado sem nem mesmo lavar o rosto, mas sua corrida contra o tempo era em vão, o trem havia partido bem cedo, como todos os dias, perguntando a um e a outro por sua Margarida, não demora muito e escuta da boca de um estranho que sua filha teria partido para o sul. Flash Bach da vida.
Pobre Mãe! Pobre Margarida!
A mãe volta para casa sem sentido, reclamava da vida, da sorte, de tudo. Dia longo! Noite escura! A dor no peito era como um punhal a penetrá-la. Adormecera com os olhos entreabertos, que logo ao amanhecer foram fechados pelas mãos de outros. Cova rasa... Cova segura... Pobre Margarida!
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