Por: Vilebaldo Rocha em 07/2014 - Visitas: 3832
Uma, duas, três, quatro, cinco pancadas. A cidade acorda. É o relógio da matriz despertando aos homens a manhã. O sol aparece feito promessa: ouro de tolo nos olhos de todos; mas tudo é igual a ontem. O calor do sol no meu corpo não me diz nada, a não ser a certeza de estar vivo (não dêem nenhuma conotação a palavra "vivo"). Tudo é igual a ontem: as ruas; as casas; o marasmo cultural; os homens; as mulheres; as bichas; os meninos e meninas (os de rua e os das jaulas); os buracos, perebas de uma administração (que administração???), buracos cada vez maiores e diversos ( apliquem toda conotação possível à palavra "buracos"). Os homens perderam totalmente a noção do que seja uma família, um lar, uma comunidade. Bichos do mato.
A consciência é um bicho danado.
O filete líquido de lama, bosta, pus, esgoto e o diabo a quatro, que escorre, lento, no leito do Guaribas é reflexo da consciência deste povo que tem no imediato a grande preocupação.
A consciência é um bicho danado.
O sol ainda é morno , mas os urubus já brincam nas poças de lama. Há uma montanha de detritos em decomposição em cada esquina, difícil é saber onde não há. Imensa mesa de um banquete podre, onde urubus e ratos refestelam-se (há diferença entre esta mesa e aquela outra, a dos representantes do povo??). Um menino disputa com os animais o pão diário; o odor nauseabundo dos esgotos fere as narinas; inunda os olhos de um tom cinza, e os urubus e cachorros, ratos e baratas , rasgam nossos tímpanos com a cantiga do abandono total. Diante de tal cena, os homens passam; antigamente tapavam as narinas, agora tapam os ouvidos e os olhos. Olhos estes que mais adiante não mais precisarão de vendas.
A consciência é um bicho danado.
Há uma música silenciosa e desesperada nos olhos de todos. Por que não gritam??!! Por que não berram??!! Há uma faca no pescoço atrás de cada silêncio: um emprego; uma promessa; uma amizade; um parentesco; um tapinha no ombro do desgraçado que só tem de seu o voto.
A consciência é um bicho danado.
Entre os urubus famintos há um que foge à regra geral: não chapinha nas poças de lama nem come detritos. Fica com aqueles dois olhos negros e gulosos vidrados nos olhos dos transeuntes. Olhos devoradores. Olhos violentos. Querem devorar a consciência de todos. Eu os fito com abismo e admiração. Chego mais perto para tentar decifrar seu mistério. Ele salta sobre mim e bica meus olhos. Agora tudo é escuridão. Já não vejo nada. Cuidado!!!!!
Em qualquer esquina, em qualquer rua, em qualquer praça, ou mesmo dentro de sua casa, ele pode está de olho nos seus olhos. Cuidado, ele pode está dentro de você!!!
Quando este relato for publicado, temo que a cidade inteira esteja cega.
É, a consciência é um bicho danado.
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