Por: João Moura em 05/2014 - Visitas: 2524
Coração
Pobre coração, onde te perdeste?
Sem rescisão de algum gostar
e volta como um cão sarnento
a qualquer chamado na noite crua
por qualquer osso na rua,
qualquer dedo a estalar;
vês coração descorado
na triste banda de insulto
quem já sepultado, no chão,
inculto.
Sem essência, sem nome, esfacelado...
extasia teu cansaço, finda o show,
destas marchas sem sentidos
como um cigano, enfurecido,
que à poeira, à lama, se quedou.
por afago serena-te à relva
e titubeia ao som de teus clarins
sob a égide do frio, em meio à selva,
aos meneios das cobras e dos cupins!
Andarilho dos berços faraós
saturnino regente das lembranças
dos diásporos pastores do Magreb
enxotado dos bascos das lambanças
excluído de Vênus, Horas, Hebe...
Ou vassalo de Gioconda, o Grito,
Guernica, Pietà, Respigadeiras,
Brahma, Vishnu, Shiva, do erudito
ao serrano das paixões verdadeiras.
do que ama teresas e marias
que se enfiam nos colares de rezas,
nas facínoras olhadas das tupis
à deidade de Lesbos que despreza...
Foste apenas mocambo dos escravos
indigente corcunda sem centavos
no que pões por entre esses agravos
dos desígnios da própria natureza!
Como falecido, esposo volta,
por espectro de medo à viúva
sem glamour, só a alma, traz revolta
troca o sangue por éter, água e uva!
Nas esquinas enlaça os capitéis
nas escórias sombrias desses prédios
rebuscando na morte seus tropéis
eutanásicos proscritos sem remédios!
Ei-la! ei-la! replica a vida a frio,
dorme bêbado nas fozes da idade
enlutando por gesto arredio
meliante etéreo tão vazio
já despido nos lençóis da saudade!