Por: Vilebaldo Rocha em 05/2014 - Visitas: 2985
Do Livro Cacos de Vidro - Poesia de neon
Agora que o sol nasce por entre os edifícios;
Picos é uma lembrança: Paisagem eterna dos meus olhos.
Meus olhos já não vislumbram mais a serra do pau-d'árco,
Nem o Morro-Quebra-Pescoço nem as torres da Matriz.
Por isso este meu olhar de passarinho acanhado.
Menino andando a esmo no meio da multidão.
Com olhos de espanto e medo
encharco as retinas com a beleza da menina projetada.
Vou passeando sobre a poesia de Oscar:
Entre versos de concreto e ferro,
Entre homens de cimento e dor.
A vida passa correndo nas calçadas e no asfalto.
O farol. Os automóveis. A arena diária.
A luz vermelha domando os cavalos-motores.
Os homens na faixa. Os homens nos carros. A vida...
A vida não vale nada. Um descuido. Uma encruzilhada.
Um passo a mais ou a menos... mais uma retina fechada.
Vida, noves fora nada.
A larga solidão das avenidas.
O largo passo em asas de avião.
Os ônibus abarrotados de pernas e mãos.
Os pneus cantando a cantiga rude:
A vida é dura pra quem tem o pé no chão.
"O meu Deus sabe da luta de um ponto de ônibus". (*)
Os caminhos se cruzando onde o destino quer.
Os automóveis voando querendo avançar o tempo.
As pessoas se entrelaçando no vai-e-vem do crochê.
Os relógios cronometrando a distância e o tempo.
E um poema em desespero amarrado na garganta.
Tenho um olá, um bom dia, é de bom grado. Quem quer???
Os gritos dos pneus multiplicando o tédio e o medo.
Mulheres a silicone vendendo gato por lebre.
Em cada gesto um mistério, em cada olhar um segredo.
No bar um momento de paz para afogar o cansaço.
E a lua também nascendo por entre os edifícios.
Algum poeta escrevendo poesia de neon.
No apartamento a tv traz a notícia, traz o mundo.
Mas não me mostra a cara do meu vizinho.
Um passarinho assustado pousou na varanda do quarto andar.
Sorriu, cantou e voou por entre as árvores de pedra.
Sou passarinho e moro na gaiola do quarto andar.
Cada dia é mais difícil conjugar o verbo amar.
* Segundo lugar no Concurso de Poesia Lucídio Freitas - Promovido pela Academia Piauiense de Letras.
(*) Verso da poesia Deus Eclético do poeta Carlos Eugênio.
(Cacos de Vidro - 2000)