Por: Nonato Fontes em 08/2015 - Visitas: 3194
Pessoa conhecida como humano, ou homens-sapiens, do latim, homem sabido, única espécie de primata bípede, é dotada de um cérebro altamente desenvolvido e faz parte da chamada raça humana. Com grande capacidade de raciocínio e de grande poder de concentração, tudo isso e muito mais, o torna a espécie mais admirável da face da terra.
Como é sabido, apesar do ser humano trazer essa capacidade toda, não existe um que não tenha defeito, seja o mínimo, mas tem. Pode se provar em cada roda de conversa, não aparece um elogio a alguém que não seja feita uma ressalva sobre um defeito.
Pois vejamos onde eu quero chegar: Minha vizinha.
Morei por alguns lugares deste Brasil a fora, já viajei por vários outros, conheci pessoas de toda natureza, dos mais bravateiros aos moderados. Não me cansei de medir diferenças e, jamais encontrei um sem defeito, alguns mais que outros, dando sentido a máxima: Não há bom que não tenha um defeito!
Ainda vamos chegar ao mais estranho: O de minha vizinha.
Depois de umas casas de aluguel, começo de casamento e construção da base familiar: Os filhos. Resolvi fixar morada. Construí uma casinha em um bairro bem próximo do centro de minha cidade. Por sorte, encontrei uma vizinhança muito tranquila, sempre amigável, não demorou fazermos amizades com os mais próximos. Entre os quais, destaco aqui a D. Severina, minha vizinha.
Entre uma noite e outra, estávamos ali na calçada, fosse à nossa ou a do lado: Casa de D. Severina. Passávamos boas horas a conversar. D. Severina, com a sua garrafa de café em punho apontando para a xícara, dava início a conversa, viajava em muitos assuntos, sempre com seu jeito engraçado. Agradava muito o papo de D. Severina. Seu esposo ali do lado, mais ouvia do que falava, balançando muito a cabeça em tom de aprovação, pintando um painel de casal que a vida uniu e jamais irá separar, a não ser a morte, que D. Severina fazia questão de dizer: "Só depois dos cem anos! Com fé em Deus". Maravilha de pessoa!
Mas D. Severina faz parte da raça humana: Não há bom que não tenha um defeito!
Não demorou muito para que se notasse a falha da mulher, era na xícara de café a cada cinco minutos, não aparentava ter nenhum mal que necessitasse de cuidados, mas para ela, como saia de sua própria boca: "Não tem nada em mim que esteja funcionando bem, vivo doente o dia todo, todos os dias!". Pensem numa mulher que gostava de ficar doente! O pior de tudo é que depois de empunhar a garrafa de café e virar na xícara, suspirava bem aliviada e aprumava a conversa.
Foi desde a noite do primeiro espasmo de lamúria, que eu descobri o transtorno bipolar de D. Severina. Não era frequente a sua alternância de saúde, mas aparecia toda noite, sempre antes da primeira golada do café. O que dava a impressão de ser uma mulher extremamente doente, não do que dizia, mas do que ela nem sabia. Pois depois da lamentação, e retornada à conversa normal, se transformava numa mulher que podia dar, vender ou até emprestar saúde, que ainda lhe sobrava para viver os mais de cem anos que ela sempre pedia.
Com essa alternância de comportamento, resolvi um dia brincar com D. Severina, queria entender melhor se ela acreditava mesmo na doença que acusava ter. Resolvi perguntar por que não visitava um médico, mesmo sabendo que não era necessário, mas para ver o que a mulher dizia. Fiquei surpreso quando ela se levantou com mais de cem e com o fura-bolo apontando para cima exclamou: "Só Deus sabe o quanto esses médicos daqui enrolam! Não sabem de nada! Só querem ganhar o seu tostão e deixar a gente na mesma! Vou mais não! Sei que vou morrer com essas doenças que tenho, mas não vou dar dinheiro meu para médico nenhum!".
Somente depois de várias noites de conversa foi que descobri o porquê da raiva da mulher. Minha vizinha, já havia visitado quase todos os médicos da cidade, e todos os diagnósticos dados por eles era da normalidade de saúde da mulher. Para ela era sem fundamento, tanta doença e todos os resultados dando normal, esses médicos não sabiam de nada mesmo.
Juntamente com essa descoberta veio outra: A única coisa que fazia o casal discutir. Bastava D. Severina falar que qualquer dia desses ia a capital se consultar com médicos mais entendidos, seu marido logo completava: Vai dar tudo normal, vai ser um gasto à toa. A mulher virava uma arara, saía para dentro espumando e resmungando, às vezes esquecia até a garrafa de café e a xícara, seu marido saía juntando tudo, depois pedia desculpas e entrava.
Se D. Severina foi ou não à capital, não vamos saber por enquanto, andei viajando esses dias e não tive notícias do casal. Mas do jeito que as coisas iam, ela já deve estar preparando uma viajem mais longe, pois a mulher é decidida e, como já falei antes, tem saúde de sobra, daí, nem os médicos da capital e nem do país todo vai encontrar o que ela procura: A doença dela de cada dia.
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