Por: Francisco de Assis Sousa em 06/2016 - Visitas: 4582
Afrânio de Sá Ribeiro, o coronel Saruê da novela Velho Chico, filho de Jacinto de Sá Ribeiro, que, por sua vez, é filho de não sei lá das quantas de Sá Ribeiro, vive num luxuoso sobrado do século XIX, às margens do rio São Francisco, em pleno sertão nordestino. Cercado por cavalos, mangueiras, navalhas e solidão, é o dono das terras, dos bichos, dos meios de produção e, inclusive, das pessoas. É vereador, prefeito, delegado de polícia, deputado, senador, governador e juiz de Direito. Intitula-se o embaixador da fé, quiça, até de Deus.
É conhecido por longas léguas, sua autoridade viaja dos grotões a capital. Ninguém discute o seu poder, não aceita ser contrariado. O seu modelo de organização é do tipo: ao vencedor as batatas. Viver é para quem pode, quem não pode se sacode, abaixa a cabeça e se conforma, com a sina que carrega em suas costas.
Avesso às mudanças, não há tese de doutorado que supere a sua razão, o seu jeito de ver as coisas e o mundo. Um mundo conquistado à base da bala e do facão, de socos e pontapés. Com ele, vale a máxima do sempre levar vantagem em tudo, pelo grito e pela força. Para isso, soldados não lhe faltam. Estão sempre prontos a cumprirem seus decretos - quem vai viver e quem vai morrer. E o resto é o resto. Não tem direito a coisa nenhuma, somente obedecer ao cabresto do Coronel. Na mira do lobo, o cordeiro não tem chance.
Recordando a minha meninice, a palavra saruê, por aqui, possui um significado diferente da insígnia que veste o Coronel. Trata-se de uma espécie de gambá bastante comum no sertão nordestino. De hábito noturno, sua alimentação varia entre frutos, insetos, larvas, ovos de galinha e filhotes de passarinhos. São muitas as lembranças que tenho do meu pai que, em noite de lua clara, montava espera, com espingarda em punho, para impedir que o saruê atacasse o poleiro das galinhas. Os pintinhos sempre foi um dos pratos favoritos desse parente de canguru - são aplacentários (Marsupial), da família Didelphydae, Didelphis aurita - que costuma atacar as aves também durante o dia.
Brasília, 17 de abril de 2016. Lá estavam quinhentos e tantos Saruês para falarem por nós. Para decidirem por nós, pobres mortais insalubres a assistirmos o galinheiro ser dominado, sem resistência. Saruês de terno e gravata, com plaquinhas nas mãos e fazendo graça, rindo da nossa desgraça. Como se estivessem a dizer: otários, foram vocês que nos colocaram aqui! Agora aguentem! Os rostos, que por ali desfilavam, eram oriundos de uma mesma linhagem, perversa e sanguinária: Saruê velho, Saruê novo. Saruê pai, Saruê filho, Saruê avô, Saruê avó, tataravô, neto, bisneto, cunhado, sogro, sogra, genro, nora e amigos. Muitos amigos. Naquele domingo, o mundo parou. Ou seja, o mundo voltou a ser o mundo dos mundos, graças aos gritos do coronel Afrânio de Sá Ribeiro. Que a terra nos seja leve!
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com Fonte: Prof. Francisco de Assis Sousa
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