Por: João Moura em 06/2014 - Visitas: 3038
Árvores como se desafiassem o infinito, tremulando suas copas vastas perto dos voos extremos dos abutres; e, por languidez da relva distendida, afundam-se os pés dos passantes nos charcos das margens dos igarapés. É quando a tarde cai por tristeza e solidão do próprio isolamento e turva ainda com o sol fora, atravancado das nuvens momentâneas que despejam dos seus depósitos celestes as rajadas de água, e, numa profunda sabedoria ou mérito do mundo intacto, os pingos descem em linha reta sem vento, nem trovão; em tal objetividade como uma coisa rude, que apenas quer repetir movimentos sem sequer pensar que no mesmo país há lugares em que não chove há mais de três anos! Os açaís como top models, de caule torneado, se arrogam da boa forma física e seguram seus frutos morenos como se aguçassem a tara da gula da gente acrofóbica... mas os muricis não cresceram tanto, talvez por enigmas da natureza, cada um tenha uma forma, um destino a tocar. As pupunhas frondosas dão aquele clima de café, a substituírem as macaxeiras, numa leve merenda ao meio da tarde... nada que impeça outras opções como: descarnar, depois de caído, um cupuaçu com sua polpa generosa ou mesmo um bacuri com sua textura maneirista, seu jeito que imita látex.
A pimenta-do-reino - que já não é mais régia, e faz muito tempo, - é uma planta com certo melindre, não aceita chuva em excesso, como também se agoura com a falta de água, demora para crescer e muito mais para definhar - as panelas lhe agradecem!
Os pequenos rios fazem meandros a desviarem dos troncos mais possantes da mata, com água límpida, porém, de coloração paradoxalmente escura como quem se enluta por ter perdido as últimas piabas para o deleite e ignorância dos seus ribeirinhos... contudo, seguem lentamente rumo ao Atlântico que os recebe com toda serenidade de quem é grande, e acolhe ainda algumas pirogas tangidas pelas relações comerciais em que força o deslocamento para as trocas inerentes aos seres vivos.
Difícil por tais cercanias é encontrar rastros do mundo mais explorado como internet, McDonald's, shopping, wi-fi, e demais acessórios do que se diz: vida moderna; não obstante, é fácil ou praticamente inevitável, que se saia a qualquer lugar, sem que as pernas não se cubram de formigas amarelas e minúsculas, mas com grande poder de incômodo, a ponto de levar ao atendimento emergencial, quando a vítima tem alergia... e a medicina? Algum curandeiro mestiço, que de fato cura pelas ervas, muito mais que os salafrários que exercem ilegalmente a profissão de médico.
A educação é a maior lástima, quando se depara com o inimaginável: crianças que reprovam por ter completado uma lacuna com a palavra chuva, invés de toró! Ou pela própria sistemática de horário e conteúdo a ser dado nas respectivas escolas; é comum que se estude de meia a uma hora por dia e que seja toda a tarefa apenas um desenho! E para que se tenha uma visão geral do verde em que há pouca esperança, a polícia mata os traficantes que desobedecerem a percentagem sobre a venda de drogas; ao contrário, não há prisões - questão meramente de obediência. Povo que ainda passa fome, dentro das matas que já tem escassez, devido à exploração dos mais abastados que têm máquinas para desmatar, vender a madeira-de-lei - que não tem mais lei, criar o gado, a monocultura (commodities) para além do prato frugal do caboclo que prega as tripas no espinhaço e à noite morde a amargura do dia num copo de cana, cuja tontura junto à fome, por vezes o atira sob o primeiro veículo que passa na estrada.
Mas onde está a causa do dilema? Não está nos mexilhões, camarões, caranguejos do mangue, no ferro dos Carajás que mais endurecem a alma dos prefeitos imperfeitos e suas primeiras-damas que por vaidade, vão a Miami, gastar a merenda que falta na escola rude do vilarejo, que oferece massa de feijão e farinha de puba e que deixa o aluno raquítico a desmaiar de fome quando não toma a iniciativa de voltar para casa...
A fartura por vezes se confunde com a miséria, como se fossem irmãs siamesas, e, se não houver uma acuidade visual, se engana num sutil toque, num piscar de olhos, que a aflição quando é extrema, a voz sequer sai, e, quando o grito é baixo, não alcança o ouvido dos que estão no centro do palco, dos que dirigem a palavra através dos microfones, aqueles que têm mais palavras na boca, mesmo que essas sejam vazias de realidade, sejam falsas... A pobreza, arraigada na ignorância, parece indefensável, além de ser fétida, é feia e não atrai o olhar dos que alto estão...
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