Por: Nonato Fontes em 09/2014 - Visitas: 2989
Se for mentira eu cego! Era como terminava as histórias - ou estória para aqueles que gostam de diferenciar a inventada da deturpada, se é que me entendem - era assim mesmo, do jeito que contei, dizia seu Lucena, senhor que foi vizinho da minha família até a sua morte.
Seu Lucena era desses contadores de histórias que dava gosto estar por perto para ouvir, sempre aparecia com uma nova, se alguém duvidava ele dizia, se "fulano" fosse vivo eu ia pedir para ele provar, curiosamente todas as testemunhas oculares do ocorrido já tinham morrido, era aí que ficavam ainda mais engraçadas as lorotas contadas por esse senhor.
Tudo que seu Lucena contava, havia alguém que duvidava, não era para menos, seu Lucena transgredia todas as leis da verdade, mas sempre com grande categoria, isso porque, quando alguém tentava desmentí-lo no meio da conversa, ele remendava com uma brilhante capacidade que até parecia virar verdade verdadeira naquela hora. Eu fui testemunha de algumas delas, embora hoje, lembrar apenas de uma e, acho ser a principal das que ouvi, parecia que aquilo era o maior desatino que alguém podia imaginar, com o passar do tempo, vi que era nada mais e nada menos que uma grande engenhosidade da parte de seu Lucena.
Uma pergunta a quem ler esse artigo agora, têm tido notícia de alguma cobra viajando de um Estado para outro via Expresso Guanabara ou qualquer ônibus que faz linha para São Paulo? Não me respondam agora, esperem até o final dessa enrolação, não sou o velho Lucena, demoro um pouco para tentar provocar algum suspense. Talvez esse negócio de mentira não seja a melhor opção para se transformar em um artigo e ainda publicar para que outros leiam, mas juro para vocês, a história da cascavel criada por seu Lucena, é sim, uma grande e engenhosa criatividade daqueles que habitam o mundo dos profissionais contadores de lorotas e, por consequência, um ótimo assunto para discorrer em um artigo.
Poderia começar pelo meio, ou pelo fim, como o Brás Cubas, mas eu não disponho de grande talento para essas coisas, por isso não inventarei, vou pelo simples, apenas repetirei as palavras de seu Lucena. Não se preocupem, não esquecerei nenhum detalhe, isso ficou tão bem marcado em minha memória como a panada de facão dada pelo Coronel Mardônio em Juvenal, ficou gravado até a marca do ferro nas costas, TRAMONTINA.
Dizia seu Lucena que um senhor morador de uma localidade de nome Pau Ferro dos Honoratos interior da cidade de Picos no Piauí, era um exímio matador de cobras, fora a valentia que carregava em seu corpo bem formado. Com força de causar inveja a Sansão, personagem bíblico. Esse homem não caçava onça, deixava que elas viessem até seu galinheiro para depois pegar com as próprias mãos e matar - esqueçam qualquer lei de proteção animal nessa hora, naquele tempo não existia, diferente de hoje, existe, mas não funciona - Pois esse homem, conta seu Lucena, numa de suas andanças pela mata, deu de cara com uma cascavel, a segunda mais venenosa das cobras existentes em nossas matas, só perdendo para a coral verdadeira. Para seu Lucena, isso era nada, aquele homem manteve sua calma e vontade de mostrar que ali quem mandava era ele, somente ele e mais nada. Pegou um pau e avançou sobre essa cobra, o inesperado aconteceu, o moço, que jamais tinha perdido uma botada, dessa vez foi traído pela folhagem existente no local, na hora de arremessar o porrete escorregou e caiu bem próximo a presa, porém não se deu por vencido, numa agilidade de um gato, desviou-se do bote da cobra ainda conseguindo bater com esse pau no lombo da bicha, coisa de raspão, pois ela fugiu mata a dentro.
Naquele dia mesmo, contava seu Lucena, aquele homem decidiu um novo rumo para sua vida, sabia ele que a cascavel é conhecida como a cobra mais perseguidora e traiçoeira da face da terra, tem instinto de gente ruim e não iria deixar aquela paulada barato, viria a seu encontro como pistoleiro sanguinolento e o mataria na primeira oportunidade com a sua venenosa e mortal picada. Então sem mais tardar, decidiu que viajaria para São Paulo e nunca mais voltaria para sua terra natal. Momentos tristes se passaram, despedidas, separações entre amigos e algumas outras coisas que não convém relatar. Vendeu seus bens e viajou no dia 21 de fevereiro de 1966 rumo a São Paulo. Na despedida sua frase de efeito: Parto! Não por medo, mas pela certeza de que minha vida não será tirada por nenhum bicho covarde existente aqui na terra.
Pouco sabia esse homem que nas passadas até a rodovia, para trás estavam ficando suas marcas, ou pelo menos, as dos seus chinelos de rabicho, não se sabe como diabos essas danadas de cascavéis seguem sua presa, murmurava seu Lucena ao contar a história. Assim seguiu esse homem seu destino. Deixando sua terra e sua gente na esperança de fugir da perseguição implacável da maldita cobra.
Para mim, dizia Lucena, era tempo perdido, eu jamais vi dizer que alguém teria escapado da perseguição de cascavel, não adiantava nem mesmo ficar na espera noites e dias acordados, ela parece está vendo tudo ali, cochilando na mira, só esperando a hora que a pessoa vacila para ela aplicar seu bote. Também aconteceu isso com aquele pobre cristão, não dessa forma, mas de uma outra que ninguem esperava, vejam só, depois de dois anos em São Paulo soubemos da notícia da morte do amigo, a causa? Picada de cobra, Qual espécie? Cascavel! Isso mesmo, a adanada da Cascavel o seguiu até encontrá-lo. Como ela conseguiu? Parece que estou mentindo, mas longe disso, apesar de vocês estarem aí a sorrir, esperem eu terminar! Contar como ela o encontrou!
Seu Lucena às vezes se irritava com alguns mal-ouvidores de histórias, aqueles que preferem atrapalahar do que escutar, esses nós mesmos os espantamos, aguardando como seu Lucena iria fazer para transportar essa cobra até São Paulo.
Não foi muito difícil para a Cascavel, falava o Velho, como falei antes, na hora da viajem do amigo, ele estava deixando rastros, isso é tudo que precisa para uma Cascavel seguir sua presa, e foi isso que aconteceu. Seguindo as pegadas do homem, a cobra chegou até a rodovia, vendo que ali tinha sumido tudo, ela não desistiu, isso é coisa de Cascavel, nunca desiste, pode morrer de velha, mas morre perseguindo a sua presa. Pois ficou ela à beira da estrada, bem onde o homem tinha subido as escadarias do ônibus. Depois de mais de ano de espera, como gente ruim mesmo, percebeu que muitas pessoas estavam subindo em uma máquina que parava ali, cobra também raciocina gente! Seu Lucena dizia isso quase vibrando, acho que as vezes ele mesmo se emocionava com a engenhosidade de sua criação. Então o que fez ela, resolveu entrar em uma das malas de um passageiro que aguardava o ônibus.
Cobra entra em mala fechada? Perguntou um dos ouvintes.
Quem aqui falou que a mala estava fechada? Retrucou seu Lucena. Eu disse que a cobra entrou na mala, não disse que ela estava fechada seu apressadinho! O passageiro resolveu trocar de camisa, pois a que estava vestido tinha manchado no meio do caminho nas folhas das árvores, caminho de interior é assim, no inverno ele fecha que só passa mal uma pessoa, mesmo assim roçando nos matos. Pois nessa hora, sabendo que os rastros de sua presa tinha sumido bem ali, e só podia ter seguido o mesmo rumo que aquelas pessoas iam, adentrou a mala do passageiro sem ninguém perceber. Por sorte esse passageiro foi direto para São Paulo, chegando a rodoviária, mas uma troca de roupa, isso já estava programado, é natural em todos que viajam para lá, têm sempre uma roupa nova para usar na cidade grande. Nisso a danada da cobra resolveu descer, por sinal, bem em cima do rastro do pobre homem, que tinha feito o mesmo procedimento desse viajante.
Como esse rastro ainda estava lá, depois de tanto tempo? Perguntou alguém.
Bom, isso eu não sei, escapava seu Lucena, mas só respondo com uma outra pergunta, como essa gente de nome arqueólogos sabem que uma mancha numa pedra foi feita por gente que viveu não sei quantos anos antes de Jesus Cristo? É o segredo da natureza, gente! Não atrapalhem minha história com perguntas bestas!
O resto nem era preciso contar, com os passos do homem ao alcançe do seu faro, ela chegou até ele sem dificuldades, mas segundo conta uma camareira do hotel onde esse pobre homem se hospedou desde que chegou à São Paulo, essa cobra devia ter tomado uns três a quatro táxis até chegar o hotel, pois foi isso mesmo que o homem contou a ela ao se hospedar. Mas depois do que essa cobra fez até chegar em São Paulo, nem duvide disso, pois esperteza e ruindade bateu e ficou nesse tipo de bicho. Finalizava Lucena.
Depois de terminar essas histórias, sempre aparecia a sessão de perguntas, todas tentando derrubar o pobre e Velho Lucena, porém era tudo em vão, ele sempre se saia muito bem nas respostas. Uma sobre a história da cobra foi muito pertinente: Como vocês souberam que era a mesma cobra que o homem tinha dado a paulada?
Simples! Respondia seu Lucena, Cascavel quando persegue alguém e encontra, como acontece em quase todas as vezes, ela depois de picá-lo se morde toda até se envenenar e morrer, dizem que é a raiva que ela carrega, que não se acaba nem depois de matar a presa e, ao encontrá-la morta ao lado do corpo do homem, perceberam uma marca no lombo dela, até pensaram que ele tinha tentado lutar antes de ser picado, mas não, era a marca da paulada daquele tempo, pois já estava sarada.
Uma segunda foi feita pelo Crispim: Quem pagou os taxis para a cobra?
Foi o fim da conversa, seu Lucena apenas disse, pergunta aos donos dos transportes, pois eu não estava lá.
Vocês estão duvidando? Se for mentira eu cego!
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