Por: João de Moura Leal em 08/2014 - Visitas: 2347
Perto do coração existe um aglomerado de quase gente, não fosse pela distância dos grandes centros, talvez fosse apenas um aterro sanitário; contudo não o é, e sim um centro regional. Vale aqui ressaltar o frescor das paisagens: logo na chegada os carros andam em ziguezague para não atropelar uma manada de animais que pastam no verde que se cria do esgoto, cuja mistura que o compõe, é um emaranhado de maços de cigarro, papel de embrulho e latinhas (embalagens de bebida), sacolas plásticas e demais lixos jogados por outros lixos humanos que amanhecem fervilhando como um formigueiro desordenado; o que difere das formigas que são mais organizadas. Ainda se pode notar o mau cheiro daquela carniça mais recente (uma mula que o caminhoneiro da madrugada matou), quando passava cheio do arrebito, café e alguns cigarros de folha do mato.
Nos guetos escuros e formados nas décadas de 60 e 70, alguns absorventes usados, atirados com aquele ódio de quem perdeu uma boa transa, ou perdeu aquele amor forçado, pouco compreensivo... Noutra esquina o lixo mexido, revirado por suínos e indigentes que reviraram tudo atrás de restos de frutas e alguns pastéis duros, de pelo menos dois dias. Havia também o sangue de um moreno pobre que foi confundido com bandido pela polícia local e tomou vários tiros até que deixou de ser pobre, sendo encaminhado para o serviço funeral a que ele jamais teria direito noutra situação de morte.
Mas o maior charme da cidade mesmo é aquele travo incenso de ureia e ácido úrico derramado aleatoriamente sobre as calçadas mais baixas, tendo em vista que as mesmas são irregulares sendo algumas com 2 metros e outra dentro do chão (engenharia da escuridão analfabetismo); Já a feira se exibe de maneira imponente, frutas murchas que sofreram todo tipo de aperto, sol de 45°, mãos sujas, e ressaca de mais umas três feiras em outras idades. A vendedora, com aquele sorriso falha por perda quase total dos dentes, descasca uma banana preta e tenta mastigar, para provar ao pretenso cliente que é possível comer aquilo e não morrer! Depois joga a casca no chão e começa involuntariamente sapatear sobre a mesma. Tudo isso ao som da voz estridente da ceguinha que há muitas décadas canta suas tiradas de improviso e balança seu maracá pedindo óbolo aos que passam por ali. Porém a cega já não dá mais o sucesso de antigamente, está com a voz frágil, e ainda tem que disputar com um exército de celulares importados e seus recursos de aplicativos para músicas, o que trouxe um ruído insuportável de batidos confusos e degradantes de bandas absurdas com um ronco em modos de vozes humanas mas que não há quem compreenda o que dizem. Há também o vendedor de doces, com uma infinidade de batidas, alfenim, goiabada, cocadas, buriti... ele, o vendedor, pega na mercadoria com as mão sujas e nos oferece uma amostra do produto que está repleto de moscas, enquanto isso, se ver o pó da cinza do seu enorme cigarro caindo sobre os manjares.
Pessoas apressadas, de todos os lados, se espremem nos corredores do mercadão, onde pegam refeições; mas, precisam ter certa habilidade, pois há muitos cães à espreita de algum pedaço de carne que por ventura caiam e quando isso não ocorre, algum cão ousado, arrebata do prato do cliente num mordida certeira, deixando o freguês a ver navios!
O lixo hospitalar é um capítulo à parte nessa descrição de pormenores sendo jogado a céu aberto, fica por conta dos abutres que fazem a festa com o feto abortado, pedaços de vísceras cancerígenas e demais petiscos para esses companheiros dos garis, que nem sempre estão a postos, por questões contratuais terceirizadas que culminam muitas vezes num calote em massa... Não é o caso de desativar o ambiente, pois o matadouro é logo ao lada e sempre há um abutre mais ousado que se engalfinha com os magarefes para dar uma bicada na carne fresca do boi que acabou de ser matado. A eutanásia sempre fora liberada para os bovinos!
Depois de nutridos os urubus têm uma tarefa mais suave que é a de produzir o cartão postal da cidade, ficar em cada cumeeira dos casarões, nos postes, e até mesmo nos canteiros centrais - mansinhos como quem já faz parte da comunidade há tanto tempo. Talvez eles, os abutres tenham a mesma dúvida de muitas pessoas que por ali circulam todos os dias: onde está e quem é o governante desta cidade? Uma vez que os humanos só o veem no jornal, mas aquilo pode ser uma lenda, pode existir com outra idade que não a que se apresenta na foto ou ainda pode ter morrido há muito tempo e servir apenas de símbolo para outros elementos estranhos, desconhecidos que vão sobrevivendo no puder em surdina...
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