Por: Carlos Eugênio em 05/2014 - Visitas: 2486
Fichas, glicose e outras confusões
Foi quando percebi que a enfermeira não queria se aproximar de mim. Aliás, me olhava de soslaio, como se eu estivesse contaminado por algo que a deixaria irremediavelmente doente. Sem cura. Confesso que não entendi.
Havia saído de casa, após um bom banho, para buscar uma sobrinha no aeroporto. No trajeto, todavia um acidente ocorreu, sem maior gravidade, mas bati com a cabeça e me cortei, de modo que fui levado ao hospital. Não havia bebido e estava bem. Não diria o mesmo do dia anterior. Dizer que estava bem é exagero, para quem havia, confesso exagerado, mas estava vivo e com uma missão. Se não estava totalmente bem, não era por causa do incidente. Até no meu instante narrativo, sou absolutamente honesto.
Ocorre que, chegando ao nosocômio, fui devidamente atendido. Tinham os bombeiros adiantado a minha ficha, o que me conduziu de imediato à enfermaria.
Primeira providência: glicose na veia. Como não sou de estranhar nada (confesso que um tanto distraído), nada estranhei. Deitei-me e esperei o final do tratamento.
Ataduras colocadas, nada de alta.
Não sou de estranhar, mas a demora é sempre estranha. Ainda mais para quem é do Piauí. De sorte que passei a observar a cena.
Como já disse, a enfermeira me evitava. Não só ela, reparei, mas todo o corpo de atendimentos. Ora, desconfiei que estivesse pior do que imaginara. Mas me sentia bem. Esperei.
Esperei muito, até que me concederam a alta e me entregaram a ficha que a elas fora encaminhada. Me chamo Carlos, mas a ficha estava em nome de Antônio. Isso me levou a ler o que estava anotado.
"Paciente relata que caiu de bicicleta e bateu o rosto. Apresentando hálito etílico e péssimas condições de higiene".
Hálito etílico? Péssimas condições de higiene?
Foi então que reparei: as fichas foram trocadas. Carlos por Antônio, Antônio por Carlos.
Fazer o quê? Voltei para casa com glicose no corpo e a sensação esquisita de que o mundo não tinha funcionado.
Bem, para compensar, acho que vou tomar uma cervejinha.
Ah, a sobrinha... o aeroporto...a volta pra casa...a minha missão de buscá-la!!!
Certamente não fui eu. Por uns instantes fui Antônio. Ficamos incomunicáveis por horas. Não há mais portadores e a comunicação moderna tem instrumentos que sempre perdem seu sentido de energia e de comunicação em momentos cruciais.
Sei que ela buscou outro tio com menos glicose na veia. Outro que não tivera sua identidade trocada, menos aturdido, menos atônito.
Com certeza teve que aguardar, diante das circunstância e do preço das montaria modernas.
Certo é que sua montaria chegou ao destino sem sobressaltos.