Por: Nonato Fontes em 02/2016 - Visitas: 2530
Para quem ainda não sabe, noite de lua cheia no sertão tem seus particulares, se tornam em noites de diversão, mesmo quando se trata de apenas uma roda de beiju com carne, como fizemos em uma delas.
Foi mais ou menos pelo mês de fevereiro, as chuvas estava de vento em poupa, o que aumentava a alegria dos partícipes daquela noite, lua bonita, as nuvens deram espaço para a majestade, brilhava como nunca, enfeitando o terreiro varrido da casa de Irene, nossa amiga.
Entre os convidados, estava Vicente, homem que tem grande destaque quando se fala em mentiras bem contadas, sempre aparece com as dele, qualquer oportunidade é aquela lorota, quase que verdadeira, embora algumas sejam de um disparate sem limite. Mas a daquela noite, podemos classifica-la como a que pode vir a ser o surgimento de um novo personagem do folclore brasileiro, porém isso deixarei para contar mais à frente.
Entre uma mordida e outa no beiju, que segurava como se o mesmo quisesse fugir, Vicente destrinchava a história de Juvenal, cabra que tinha estranho hábito, segundo o contador. Morava em um povoado próximo, nem vou citar o nome para não gerar inimizade entre famílias e amigos, apenas reproduzirei aquilo que ouvimos, pois éramos vários naquela noite a escutar. Gostávamos da forma como Vicente aprontava o corpo e a cabeça para narrar os fatos, uma verdadeira aula de representar.
Para Vicente, Juvenal não o enganou desde a primeira vez que botou a vista no cidadão. E seguia contando, o cabra tinha uns sumiços em noite de lua cheia que vou te dizer, Vicente narrava suas histórias sempre na segunda pessoa, nem se importava quantos o ouviam. Mas vamos em frente, Juvenal saiu naquela sexta feira em noite de lua cheia pelas portas dos fundos, até parece que percebeu que eu estava ali a esperar, dizia Vicente, eu já tinha desconfiado que as coisas esquisitas que aparecia naquelas redondezas, era obra de um lobisomem. Pois nesta noite resolvi esperar, então marquei ponto, sabia que o Lobisomem quando sai percorre sete cemitérios e sete povoados fazendo das suas, mas depois retorna a encruzilhada onde ele se transformou para voltar o normal novamente. Fui aguardar na única que havia no lugar, cortava a rodovia do povoado, passei até umas três horas acordado, mas o sono me pegou, perdi a caçada.
No amanhecer do dia fui acordado por um colega, disse Juvenal, quando falei o motivo que me levou até lá, fiquei surpreso pelo que me contou o amigo, dizia ele, que quando vinha voltando da casa de Inácio, de um forró que havia por lá, topou com uma figura estranha que se embrenhou nas matas quando o viu, foi assustador. Parecia um macaco, mas andava como gente, ou corria, pois só o viu correndo. De repente, quando resolvi olhar melhor, prosseguiu o rapaz, ele partiu para cima como se quisesse me atacar, mas desviei e ele fugiu na estrada, juro como ainda agora só pensei ser um lobisomem, finalizou o homem.
Naquele dia resolvemos nos unir para descobrir a verdadeira identidade do bicho, tentamos algumas noites, mas sempre perdíamos a botada. Alguns meses depois soubemos o que se deu com Juvenal, não se sabe se por razão ou crueldade, alguém tinha desferido uma punhalada debaixo do braço do rapaz, bem no suvaco - para Vicente era suvaco, em vez de axila ou sovaco - encontraram o pobre todo despido e sangrando em um matagal próximo, ninguém conseguiu puxar alguma coisa dele, pois esse ficava era zangado quando o indagavam sobre o caso. Desde esse dia, Juvenal se aquietou, não sumia mais e nem tinha aqueles hábitos estranhos quando era noite de lua cheia e sempre as sextas feiras. Bastou Tião dizer que para acabar a maldição do lobisomem, deve se conseguir acertar uma furada por baixo do braço, bem no suvaco, foi que ficou explicada a mudança de Juvenal.
O rapaz que teria acertado essa tal punhalada no Juvenal, segundo Vicente, não era do povoado, tinha apenas descobrido que existia um homem que virava o lobisomem em noites de sextas feiras e resolveu ir por lá fazer a embrulhada. Para Vicente, o importante é que tudo acabou bem, pois já estava era com pena de Juvenal, era um bom homem, apenas carregava essa triste sina.
Para quem o ouvia, a história merecia algumas perguntas, como a que puxa a deixa que ficou alguns parágrafos antes sobre o novo personagem do folclore brasileiro, Simão perguntou se o rapaz que furou era algum exterminador de lobisomem, pois pelo que Vicente conta, foi ao povoado apenas para furar o Juvenal nas axilas, devia ter experiência em acabar com a maldição da pessoa que vira lobisomem.
Depois que Vicente gaguejou na resposta, Simão, grande gozador, completou a história com uma daquelas: Sabe seu Vicente, essa história do senhor me deu uma grande ideia, sairei agora pelas ruas pedindo para as pessoas levantar os braços, e antes que me perguntem alguma coisa, vou logo dizendo: Sou fiscal de lobisomem, me deixe ver se você já foi um e, quem sabe, não povoarei o universo do folclore brasileiro como o mais recente dos personagens, Fiscal de Lobisomem?
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